30 outubro 2009

silêncio con-sentido


deve haver dois tipos de silêncios. eu, pelo menos, assim os separo. o primeiro representa o vazio real e improdutivo da falta de sentido. faz-se silêncio porque realmente não há o que ser dito. e existe o segundo. o que evita a banalização do sentido através da palavra. longe da falta de racionalidade ou de capacidade de simbolizaçao, mas um desejo puro de não arriscar o que cuidadosamente se construiu e hoje se acomoda carinhosamente nas melhores recordações.
transformar o indizível em palavras é arriscar reduzi-lo ao tamanho da nossa ignorância. às vezes há que se aquietar as palavras para não emudecer o coração.

sophia compeagá

23 outubro 2009

we're all in the dance



Até que enfim assisti Paris, Je t'aime. Simplesmente lindo! Simples e lindo. Daqueles que nos chacoalha praquelas coisas simples da vida que, talvez justamente por serem fugazes, sejam tão especiais.
O filme apresenta várias histórias curtas -mas de infinitos significados- do cotidiano de pessoas que moram em Paris, e nos revela a cidade de um jeito diferente do que se está acostumado, muito singular, desprovido de fantasia e nostalgia, mas sem deixar de falar de amor.
Penso que muitas vezes tentamos dar sentido à nossa vida esperando um fato grandioso e surpreendente como se este fosse imprescindível para se sentir que valeu a pena viver. E muita coisa é sacrificada em função desta espera que às vezes se faz em vão. Claro que existem os sonhos, e sonhar nunca é em vão, mas quando falo dos sacrifícios falo de como nos cegamos para o que está perto, e às vezes para o que está dentro, e deixamos de viver pequenos grandes momentos.
Nossa vida é feita de pequenas histórias, e não adianta tentar encaixá-las na história maior enquanto elas acontecem. A amarração e atribuição de sentido só é possível depois. Por isso de nada adianta controlar os fatos, a única garantia de estarmos na história certa é atentarmos para o que sentimos. Acredito que, tendo o coração como norteador, qualquer história valerá a pena ser vivida. Mesmo que doa.
Mas acima de tudo acredito que as histórias ainda estão sendo escritas, e no final estaremos todos "dans la même histoire". Na mesma história.

Sophia Compeagá




18 outubro 2009

A antipalavra



"Jantaram, subiram para o quarto, fizeram amor. Em seguida, no limiar do sono, as idéias começaram a se embaralhar na cabeça de Franz. Lembrou-se da música barulhenta do restaurante e pensou: "O barulho tem uma vantagem. No meio dele não se ouvem as palavras". Desde sua mocidade, não fazia outra coisa senão falar, escrever, dar cursos, inventar frases, procurar fórmulas, corrigi-las, de maneira que as palavras nada mais tinham de exato, o sentido delas se apagava, perdiam seu conteúdo sobrando apenas migalhas, partículas, poeira, areia, que flutuava no seu cérebro dando-lhe enxaqueca, e que era sua insônia, sua doença. Teve então a vontade confusa e irresistível de uma música enorme, de um barulho absoluto, uma bela e alegre algazarra, que englobaria, inundaria, esmagaria todas as coisas, que anularia para sempre a dor, a vaidade, a mesquinharia das palavras. A música era a negação das frases, a música era a antipalavra. Tinha vontade de ficar com Sabina num longo abraço, de calar-se, nunca mais pronunciar uma só frase, deixar o prazer confluir com o clamor orgiástico da música. Dormiu nessa bem-aventurada algazarra imaginária."



(Milan Kundera in 'A insustentável leveza do ser')

10 outubro 2009

Ensaio sobre a miopia


Hoje estive ausente de mim.
Não consegui me concentrar em nenhuma tarefa a que me propus.
Estive alheia o tempo todo, num mundo paralelo. Mas um mundo de nada.
Fuga de não sei o quê, ou talvez saiba, mas não queira lembrar.
Fuga de mim.

Quando me sinto assim parece que a qualquer momento vou me desintegrar, partir em pedaços, desaparecer...
Por um lado o desejo da fuga, dessa desaparição. Por outro o desespero.
É quando vem a necessidade de escrever. Numa tentativa talvez de me estruturar, de me refazer, de existir, de não d'existir.
Penso que escrever é, não uma espécie de loucura, mas fruto dela.

De todas as minhas formas de salvação, a escrita é a mais verdadeira.
Porque é o que realmente me aproxima de mim. Sou eu estendendo os braços para mim mesma.
De outro modo estaria ligando para amigos, marcando sessão extra de análise, abrindo uma garrafa de vinho.
Escrever me ajuda a enxergar-me melhor mas de modo que eu vá me apresentando aos poucos, sem sustos. Talvez com surpresas, mas na medida e tempo equivalentes ao que eu possa suportar e que me sejam necessários enxergar.

Hoje me esforcei por enxergar.
Nunca os uso dentro de casa, mas hoje decidi colocar os óculos.
Um recurso prático (já que a pauta aqui é a objetividade), na tentativa de me aproximar um pouco mais da realidade.
Realidade, a partir do meu míope ponto de vista, é aquilo que a maioria das pessoas diz que é, mesmo que cada um nem sempre a veja como diz, mas acredita que os outros a vejam, e portanto a adota como verdade.
Já a miopia, por sua vez, é aquela cegueira (leve, severa ou moderada a depender da necessidade) para o que é externo e está fora, e longe; é a tendência inconsciente à introspecção, a olhar para dentro de si, e a ignorar todo o resto.

Não sei ao certo se a realidade é objetiva ou subjetiva, talvez existam várias realidades, talvez não exista nenhuma.
Descobrir esta resposta não vai fazer diferença... E já nem sei mais se quero respostas. Vou manter meu silêncio. Hoje, além de muda, estou cega e surda
.

Sophia Compeagá

07 outubro 2009

o luxo de meu silêncio



"Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas – escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio."


Clarice Lispector in 'Água Viva'

01 outubro 2009

(in)quietude

Silenciosa mas inquieta, assim tenho estado. Sem palavras mas com muito o que dizer.
Nunca o silêncio me falou tanto como agora.
Estranho ter que conter para me sentir inteira, consistente. Como se a palavra tivesse peso. Como se precisasse segurá-la para não perdê-la para sempre de mim. Para que eu não me esvaia junto dela escorrendo por entre a fala, sobrando o vazio.
Sempre acreditei no contrário, que para existir precisasse dizer, contradizer e traduzir, por acreditar que 'aquilo que chamo de eu' fosse essencialmente pensamento e linguagem.
De repente me dou conta: tenho um corpo! E descubro nele um mundo de linguagens e símbolos comunicando vida!
E não podia ser diferente, foi através dessa mesma linguagem que o insight se deu.
Tudo faz sentido agora, "no princípio era o verbo" não no sentido de palavra, mas no sentido de ação.


Sophia Compeagá





"Tenho um corpo, e tudo que eu fizer é continuação do meu começo"
(Clarice Lispector)