18 outubro 2009

A antipalavra



"Jantaram, subiram para o quarto, fizeram amor. Em seguida, no limiar do sono, as idéias começaram a se embaralhar na cabeça de Franz. Lembrou-se da música barulhenta do restaurante e pensou: "O barulho tem uma vantagem. No meio dele não se ouvem as palavras". Desde sua mocidade, não fazia outra coisa senão falar, escrever, dar cursos, inventar frases, procurar fórmulas, corrigi-las, de maneira que as palavras nada mais tinham de exato, o sentido delas se apagava, perdiam seu conteúdo sobrando apenas migalhas, partículas, poeira, areia, que flutuava no seu cérebro dando-lhe enxaqueca, e que era sua insônia, sua doença. Teve então a vontade confusa e irresistível de uma música enorme, de um barulho absoluto, uma bela e alegre algazarra, que englobaria, inundaria, esmagaria todas as coisas, que anularia para sempre a dor, a vaidade, a mesquinharia das palavras. A música era a negação das frases, a música era a antipalavra. Tinha vontade de ficar com Sabina num longo abraço, de calar-se, nunca mais pronunciar uma só frase, deixar o prazer confluir com o clamor orgiástico da música. Dormiu nessa bem-aventurada algazarra imaginária."



(Milan Kundera in 'A insustentável leveza do ser')

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