23 dezembro 2008

Crisálida

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos
que nos levam sempre aos mesmos lugares...
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos."

(Fernando Pessoa)
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É incrível como as mudanças acontecem...
Às vezes me sinto descrente delas, mas quando olho para trás vejo o quanto minha história é um tanto emocionante, cheia de mudanças e andanças.
E a gente se transforma mesmo... começa por uma pequena decisão que vai devagar crescendo e dando nova forma à maneira de viver, de ver as coisas e acaba por mudar completamente nosso destino e nossa pessoa.
Ainda bem que houveram mudanças, ainda bem que tenho essa força dentro de mim que me faz romper com meus próprios limites e medos, e crescer.
Por sorte minhas mudanças só me fizeram evoluir, porque sei que nem sempre é assim.
Mas há um momento em que a alma se aquieta, e pede sossego. Talvez porque descobre o que realmente deseja e vê que não é preciso ir tão longe para alcançar. E foca!
Ou talvez porque tenha se deparado com a mudança mais necessária, aquela que vai realmente desnudar a pessoa que se é e dar sentido a todas as mudanças anteriores, toda a história... Ou banalizar toda ela, não se sabe! E esta incerteza é mesmo paralisante...
Talvez esta paralisia, que se disfarça sob um desejo de quietude, seja covardia. Ou talvez seja somente uma exigência da alma para que a decisão da travessia seja o mais consciente possível.
Talvez...

Por Sophia Compeagá

16 dezembro 2008

do que me escapa...


Não sei fingir emoções, não sei esconder o que sinto,
não sei falar do que não me toca,
não sei NÃO falar do que me toca...
Sou toda histérica, tenho um corpo que fala por mim.
Não sei me fazer de forte, não sei estancar ferida.
Minha carne grita, minha dor vaza, meu olhar implora.
Me esparramo pelos olhos, impossível não me ler.
Mas tem sempre um ponto onde me escapo,
alguma coisa de ilegível e inalcançável,
estranho e misterioso que me faz desconfiar
de que seja justamente neste estranho encontro
com o desconhecido de mim
que eu surja de verdade.


Por Sophia Compeagá

02 dezembro 2008

dos caminhos que nos trazem a nós...


Há pouco tempo fiz uma grande descoberta sobre parte da minha história. Foi um dos maiores insights que já tive, mas ainda não entendi por completo sua influência na minha vida porque a cada dia descubro um detalhe novo.
Não quero criar muitas expectativas porque certamente este valor todo a que atribuo à descoberta cabe somente a mim!

Sempre tive um verdadeiro encanto por tornados. Sim, estes funis de vento que giram, destróem tudo por onde passam deixando claro que ninguém pode com a força da natureza. Gostaria de me lembrar neste momento qual o psicanalista que afirmou que SE TENS UM MEDO, EIS AÍ SEU DESEJO ou coisa assim... (quando me lembrar, reedito a postagem). Enfim... este encanto, admiração, medo (sei lá como nomear isto) sempre esteve presente em mim... Quando mais nova pesquisava sobre o efeito e as causas dos fortes ventos, assistia a vídeos, buscava por fotos... já nem sei mais quantas vezes assisti ao filme Twister.
E sempre me foi assim mesmo, um medo misturado com uma admiração tremenda!
Foi então que, assistindo a um vídeo do Youtube, encontrei uma cena do filme O Mágico de Oz que já havia assistido quando muito pequena mas não lembrava mais. A cena mostrava a parte em que um tornado invadia a vila e Dorothy era sugada junto com a casa em que estava, ficando suspensos e girando dentro do funil gigante.
Na hora me veio o insight! Quando muito criança assisti a este filme e me lembro de ter me causado grande medo... mas também (suponho) grande interesse já que a cena do tornado acontece no início e me lembro de detalhes que acontecem no meio e no final do filme como por exemplo dos sapatos mágicos de Dorothy que (ao final descobre-se) lhe davam o poder de voltar para casa.
Mais um insight (e um sintoma) sou fanática por pés e sapatos!

Embora este seja um filme infantil, a mensagem que tiramos aponta um conteúdo muito maduro. Três fortes personagens, além de Dorothy, contribuem para as lições da história: o espantalho que desejava ter um cérebro, mas que era inteligente e conseguia dar grandes soluções que salvavam os personagens; o homem de lata que desejava ter um coração, mas era o mais sensível de todos; e o leão que desejava coragem mas que na verdade não conseguia lidar com a coragem que já possuía, e confundia covardia com prudência.
Dorothy por sua vez tinha o desejo de voltar para casa, e junto de seus três amigos passam todo o filme em busca do mágico que lhes realizaria os pedidos.
Juntos, os quatro ilustram a dinâmica humana e os centros de força que mobilizam as pessoas. Pensamento (cérebro), sentimento (coração) e instinto (coragem) são 3 instâncias que, em equilíbrio, permitem a harmonia do corpo na dinâmica do viver. Mas há uma quarta instância tão presente quanto as outras: a tão humana e eterna vontade de voltar pra casa.

Desde o ventre de nossas mães cumprimos o destino de romper barreiras e crescer. E ainda que seja um destino humano e independente da vontade, crescer é um desafio... há que se confrontar com a própria vida e consigo mesmo.
Há em nós, acredito, um impulso de voar, mas também um forte impulso de ficar no ninho. E essas duas pulsões se conflitam continuamente.
A sucessão de enfrentamentos vai depender do contexto e da história de cada um, mas há situações que são bem comuns a todos nós. São elas: o próprio parto, a entrada na escola, nascimento de irmãos, as crises da adolescência, as responsabilidades da vida adulta, o trabalho, os rompimentos, os lutos pelos entes queridos, as enfermidades, a entrada na faculdade, promoções, mudanças, a velhice, etc...
Considero enfrentamento toda situação que altera o funcionamento normal da pessoa e que a faz sair desta fase diferente de antes (seja para melhor ou pior). É um caminho desconhecido, imposto pela vida (ou que nos impomos a nós mesmos) em que precisamos percorrer para que o equilíbrio anterior seja retomado.
Estes enfrentamentos nos exigem um sincero encontro consigo mesmo, pois nos põe em contato com o limite de nossas forças e muitas vezes nos obrigam a ir além.
É interessante notar que, embora pareça que a necessidade de enfrentamento se dê à partir da pulsão que nos põe adiante (que nos põe a voar), ela também se dá devido à necessidade de retornar ao ninho, de retomar o equilíbrio, de voltar para casa.
Muitas vezes o caminho do enfrentamento é longo e árduo e ao final descobre-se que a resolução do problema, o Santo Graal, estava mesmo lá atrás, na linha de partida. Talvez já na bagagem do peregrino antes deste iniciar sua jornada em procura de sabedoria. Mas era preciso correr todo o percurso para adquirir a capacidade de percebê-lo. Foi assim com O Alquimista, é assim com todos nós.
No fundo essa eterna vontade de ir pra casa é a voz do nosso desejo se fazendo ouvir.
As duas pulsões, apesar dos conflitos, estão indicando o mesmo caminho, o da descoberta de si mesmo através das experiências.
Tavez o Mágico de Oz seja meu grande conto de fadas! Certamente haverá muito mais ainda por descobrir da aventura de Dorothy... e de mim.


Por Sophia Compeagá