15 fevereiro 2008

O homem, as viagens...





O homem, bicho da Terra
tão pequeno chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte
com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol,
falso touro espanhol domado.

Restam outros sistemas fora do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem (estará equipado?)
a dificílima DANGEROSÍSSIMA VIAGEMde si a si mesmo:
pôr o pé no chão do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria de conviver.



.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
.

Um comentário:

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado