27 maio 2009

do estranho

tantas vezes a gente finge ser normal sem se lembrar de que normal mesmo é ser diferente.
e finge com tamanha força que acredita na própria mentira e também a espera dos outros.
vou criando meus dias, me recriando entre os dias,
dia sou, dia não sou, às vezes estou onde não sou.
quase nunca estou onde sou.
às vezes há encontro.
estranha essa coisa de existir.

sophia compeagá

14 maio 2009

In-sights

"Ele gostava tanto dessas palavras começadas por ininvisível, inviolável, incompreensível - que querem dizer o contrário do que deveriam. Ele próprio era inteiro o oposto do que deveria ser. A tal ponto que, quando o percebia intratável, para usar uma palavra que ele gostaria, suspeitava-o ao contrário: molhado de carinho. Pensava às vezes em tratá-lo dessa forma, pelo avesso, para que fôssemos mais felizes juntos. Nunca me atrevi. E, agora que se foi, é tarde demais para tentar requintadas harmonias".

(Caio F. Abreu em “Os Dragões não Conhecem o paraíso”)

06 maio 2009

Com-tradições

Falei tanto sobre felicidade e infelicidade nos últimos posts mas, noto agora, acabei por não concluir muita coisa. Disse, desdisse e contradisse-me um punhado de vezes, sem fazer-me compreender.
E é assim mesmo, as palavras nunca se esgotam e o desejo de se entender nunca é totalmente satisfeito. Afinal, quem pode tocar palavras?
No final, tudo acaba parecendo uma grande hipocrisia. E talvez seja mesmo. Mas achar todo mundo hipócrita é outra forma de ser.
Eu acho. E sou!
Se hipocrisia for ter em desarmonia o que se diz, pensa e faz, então sou a própria personificação da palavra. Além do mais, todo mundo sabe que quem repete demais as mesmas coisas, ainda não tem claro para si o que quer dizer. Cá estou novamente!
Mas, voltando à questão da felicidade, acho que a dificuldade em defini-la está na necessidade que temos em dicotomizar tudo, separando as palavras sempre em pares de opostos. Só que a vida não é assim, e nos prova todos os dias que os opostos se encontram e se complementam.
O sofrimento faz parte da vida e o ser humano precisa desta tensão que o perpassa continuamente, desta insatisfação que nos leva à algum lugar. O que nos move é o desejo, e o desejo nasce da falta.
Naturalmente este tema mobiliza. Como dizer que a felicidade, universalmente considerada como o horizonte da vida, não existe?
Acho que no final o grande aprendizado da vida consiste em simplificar os problemas, e simplificar-se a si mesmo. O que mais nos faz sofrer é achar que somos especiais demais, diferentes demais, tanto inferior quanto superiormente. Não que eu tenha alcançado este estado de compreensão e desapego dos meus problemas... devo estar bem longe disso. Ainda dou muita importância às minhas dores e conflitos e este blog é a prova viva disso. Mas já me dei conta desta minha desfunção, e este já é um grande passo!

Enfim, só sei falar de mim.
Eis aqui um blog egoísta e hipócrita de um ser humano estranho e confuso com um tremendo desejo de explorar as contradições do viver.






Sophia Compeagá







"- O que é que se consegue quando se fica feliz?, sua voz era uma seta clara e fina.
A professora olhou para Joana.- Repita a pergunta...?
Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.
- Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.
- Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? - repetiu a menina com obstinação.
A mulher encarava-a com surpresa.
- Ser feliz é para se conseguir o quê?
(Um dia - Perto do Coração Selvagem - Clarice Lispector)