25 fevereiro 2009

Dizemos

'Dizemos aos confusos: Conhece-te a ti mesmo,
como se conhecer-se a si mesmo
não fosse a quinta e mais difícil
operação das aritméticas humanas.
Dizemos aos abúlicos: Querer é poder,
como se as realidades bestiais do mundo
não se divertissem a inverter todos os dias
a posição relativa dos verbos.
Dizemos aos indecisos: Começar pelo princípio,
como se esse princípio fosse a ponta sempre visível
de um fio mal enrolado que bastasse puxar
e ir puxando até chegarmos à outra ponta,
a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda,
tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa
e contínua em que não havia sido preciso
desfazer nós nem desenredar emanharados,
coisa impossível de acontecer na vida dos novelos,
e, se uma outra frase de efeito é permitida,
nos novelos da vida'.


Por José Saramago
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23 fevereiro 2009

Sobre cães, aniversários e rimas estranhas...



Este blog vai fazer 2 anos!
Embora eu não tenha "comemorado" seu aniversário de 1 ano, vasculhando as postagens antigas, notei que foi justamente no primeiro aniversário que comecei a escrever. Até então eram apenas citações, textos de outras pessoas, já que a proposta inicial da postagem de apresentação era justamente essa.

Timidamente passei a publicar minhas próprias coisas. E eu as chamo assim, de coisas, porque prefiro não nomear essas palavras soltas como poesia ou dar qualquer outra descrição. Não me acho nenhuma escritora ou poeta (apesar de ter encontrado no dicionário "aquele que devaneia" como um dos significados de poeta e ter me identificado muito).


Nem sei se comunico alguma coisa, não sei se me faço entender. Na verdade me preocupo pouco com isso.

Refletindo sobre o sentido deste espaço pra mim, percebi que escrever aqui proporciona aquilo que eu já citava na minha
primeira postagem, de que publicar poderia vir a ser uma forma de organizar pensamentos, idéias e sentimentos.
Mas o diálogo que se dá aqui é sobretudo interno e não uma idéia pronta para ser anunciada. É, antes, algo em andamento e construção, e neste caso novamente fujo às exigências literárias, já que a principal descrição para escritor que encontrei é: autor de obras. Acontece que o que escrevo fica sempre inacabado... e talvez por isso também seja sempre angustiante.
Houve produções sim, mas num outro plano. E descobertas!

A exemplo disso, me ocorreu hoje um fato interessante. Já comentei aqui que o filme 'Mágico de Oz' tem um significado especial na minha história. E como se não bastassem os tornados invadindo meus sonhos, minhas manias com sapatos e pés, as idas e vindas que me apontam uma verdadeira jornada a ser percorrida dentro de mim, e os tantos outros símbolos deste filme que me fazem tanto sentido, me dei conta hoje da semelhança entre
Toto (o cachorrinho da Dorothy no filme) e o Zeca, meu novo cãozinho. Segue a história:

Quando meu marido e eu decidimos ter um cachorro, a intenção era adotar uma fêmea. O nome há muito tempo já havia sido decidido: Dorothy, e assim que soubemos que uma ninhada estava pronta fomos lá escolhê-la. Foi então que um sapequinha minúsculo nos escolheu primeiro: um machinho, uma bolinha de pelo que pulava na gente sem parar, lambia os nossos dedos do pé e era a coisa mais fofa. Depois dessa recepção não foi preciso pensar muito pra decidir quem levaríamos.

O Zeca chegou tem quase 1 mês, mas só hoje me dei conta da semelhança com o Toto. Talvez seja exagero meu, mas duvido. A raça nem é a mesma e a semelhança ainda é grande ao meu ver.

Não há nada demais nisso mas a cada dia descubro uma nova “coincidência”, um novo detalhe do filme me influenciando.
Acabei me lembrando também de quando era criança e inventava umas musiquinhas muito sem ritmo que incluíam um cachorrinho que chamava Toto... Nelas eu rimava ‘revólver’ com ‘cadeia’ e ‘Toto’ com "garda-rôpa". Vai entender...

E o que isso tem a ver com o aniversário do blog? Tudo! É por estes “detalhes” tão gostosos (e as vezes sofridos) de serem descobertos (ou paridos) sobre a gente mesmo, e que só vêm à tona quando se põe a investigá-los através da narrativa, que vale a pena continuar a escrever, a buscar e a me encher de coragem para fazer as perguntas certas.



Por Sophia Compeagá



Aproveitando a ocasião quero agradecer as visitas que recebo! Vocês sempre serão muito bem-vindos por aqui, assim como qualquer crítica ou comentário que possam ser sementes ou frutos de qualquer insight! Beijos à todos!

10 fevereiro 2009

Metalinguagem


De uns tempos pra cá, passei a me preocupar muito com a origem de tudo que eu leio, quem é o autor, sua formação, motivos que o levaram a escrever sobre o assunto... Claro que nem sempre consigo me informar sobre tudo isso, mas entender a história da criação da obra é tão importante quanto propriamente lê-la.

Tive um professor que sempre nos dizia para que selecionássemos muito bem aquilo que líamos, e hoje acredito mesmo nisso... Por mais que tenhamos um olhar severamente crítico sobre tudo, muita coisa passa despercebida e somos influenciados por aquilo que captam nossos olhos.

Muitas vezes começo a escrever (aqui mesmo neste espaço) e raramente sei no que vai dar. Começo com uma idéia vaga, um insight pobre, que vai evoluindo e terminando numa coisa totalmente diferente. Às vezes até duvido de que quem escreva realmente seja eu.

Mas o motivo mesmo de eu estar falando isso é que tenho me impressionado ao notar as coisas que acontecem neste processo. Sinto que escrever é como prever o futuro, envolve uma intuição que o próprio autor desconhece e não tem o menor domínio.

Quando leio coisas passadas (neste caso também envolvem minhas "antiguidades", que não constam aqui) vejo que muitas coisas que eu escrevia falavam de coisas que ainda viriam a acontecer. Textos que pareciam pobres e quase sem sentido, depois de um tempo, ganhavam todo o sentido do mundo e saíam do papel flutuando, vindo pousar sobre minha história real.

Minha vida sempre esteve envolvida em algum tema, e estes às vezes duram anos. E é preciso explorá-los muito, falar deles, questionar e escrever para que se dissolvam, e outro tema venha ocupar meus dias.

É interessante notar que estes temas se sobrepõem, como se um fosse complemento do outro. E mais interessante ainda é ver que não são só pensamentos, mas fatos, pessoas, leituras, que surgem do nada, trazendo algo desta mesma natureza para que eu possa experienciar... contracenar tornando-me a protagonista de um filme perfeito, com começo, meio e fim.

Justificando novamente, escrevo isso porque acho que acabo de encerrar um ciclo, que me proporcionou intensas experiências e grandes aprendizados, assim como noites insones, duros questionamentos e dolorosas constatações.

Se não fosse pelo meu prazer em ouvir pessoas, em solucionar problemas, em entender as coisas e sobretudo minha capacidade de empatia, eu desconfiaria de que fiz Psicologia para me auto-analisar porque estou o tempo todo questionando meus atos, palavras e sentimentos. Se isso é legal ou não já não sei dizer, talvez leve para a próxima sessão de terapia... Mas que faz minha vida mais interessante, isso faz!

Por Sophia Compeagá



"Na minha cabeça é assim:
pensamentos enfileirados
por ordem de tamanho,
obedientes e organizados,
cada um esperando sua vez.
Enquanto o da frente não avança,
os de trás não se adiantam.
Mas há dias em que saltam para fora
de mãos dadas, juntos, muitos,
de uma só vez.
- Com cautela pequeninos! Demais assim é suicídio!
A razão só nasce bem por conta gotas!"

09 fevereiro 2009

se desejas escrever sobre humanos...


“Meu jovem, se desejas escrever sobre seres humanos,

a melhor coisa é ter um casal de gatos.”

( Aldous Huxley )

08 fevereiro 2009

"Rótulos são para geléias"


Algumas verdades são duras de se aceitar, e, mesmo consciente delas, demora-se um pouco para permitir que elas façam parte da gente, sejam digeridas, interiorizadas. Para a maioria das pessoas nunca é!


Recentes leituras e experiências me fizeram rever muito de meus conceitos e valores sobre mim mesma e tudo a minha volta, e, chegar a algumas conclusões sobre o sentido da vida (que, passei a crer, é não ter sentido mesmo).
Não quero ser hipócrita, ainda não internalizei muito destas coisas, mas eis algumas das, simples mas indigestas, afirmações de que falo:

Você não vai mudar o mundo! Você não é mais importante ou especial que o resto das pessoas. Você é mais um!
Você pode fazer o que você quiser! Pode ir atrás de seus sonhos, realizar seus desejos. Ninguém define sua vida, seus valores... a não ser que você permita!
Você tem o direito de ser respeitado e pode brigar por isso!
VOCÊ É LIVRE!

Entrar em contato com nossos verdadeiros desejos impõe-nos a responsabilidade por nossos próprios atos e experiências. Mas na maioria das vezes nos vemos tentando colocar a culpa de nossos fracassos e dores em alguém ou alguma coisa fora de nós.

Sigo vendo as pessoas se consolarem ou estimularem umas às outras com alguns adjetivos contraditórios: "você é insubstituível", "você é especial" ... Como se fosse mesmo trazer algum benefício.

Para mim, nos sentirmos insubstituíveis só nos faz tentar nos manter no mesmo padrão. Nos implica numa obrigatoriedade, num dever, numa imagem fixa de si mesmo, num sintoma.

O que eu preciso é me livrar dos rótulos "positivos" assim como me livrei dos negativos.

Depois de um tempo adquirimos maturidade para questionar se o que foi aprendido durante a vida é realmente a nossa opção. É chegada a hora das grandes escolhas... e talvez seja preciso fazer algumas mudanças.

Toda mudança é complicada e sofrida, mas mudar permite refazer sua história à sua maneira.
Já dizia Lacan "na recusa nasce o sujeito".

E ao final você saberá que viveu uma vida de verdade.
Por Sophia Compeagá




"Cuidado com os seus pensamentos, eles se transformam em palavras.
Cuidado com suas palavras, elas se transformam em ações.
Cuidado com suas ações, elas se transformam em hábitos.
Cuidado com seus hábitos, eles moldam seu caráter.
Cuidado com o seu caráter, ele controla seu destino"

04 fevereiro 2009

Nuance




Ando querendo escrever algo alegre, querendo registrar as marcas coloridas das últimas vivências, mas não consigo.
Alegria é combustível para pés, porque na alegria há música e dança. O que movem minhas mãos são mesmo melancolia e confusão. Na maioria das vezes é por eles que me ponho a escrever, dedilhando teclados, decifrando dores e dúvidas.
Enquanto a tristeza questiona, a alegria não vê necessidade de entendimento. A alegria não precisa ser traduzida, tem poucas letras, é isenta de mistérios, não tem segredos.
Alegria é porta aberta, coração escancarado, sorriso largo. É cor, é imagem, enquanto a tristeza é palavra, é linguagem.
Alegria é ventre, é entrega, é liberdade. É estar, é presente! Tristeza é passado e futuro, ausentes...
A alegria É, a tristeza processa.
Alegria é excesso, tristeza é falta...
E eu me pergunto: O que seria de uma sem a outra?
Mas não quero questionar... a alegria está em mim, pura e leve, e não sei até quando. Por enquanto vou ouvir esta música desprovida de letra.
E talvez amanhã quando acordar eu possa falar dessa mágica sensação de não saber, e quase nem ser.


Por Sophia Compeagá